quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Refletindo sobre Alfabetização e Letramento.


Olá!

Compartilho com vocês o texto  MAMÃE extraído do livro " Como um romance" de Daniel Pennac Rocco. Considero excelente para refletir com professores alfabetizadores a importância da alfabetização e letramento. 


MAMÃE



A escola veio na hora certa.
E tomo o futuro pela mão.
Ler, escrever e contar...
No começo, ele sentiu um entusiasmo verdadeiro.
Que todos aqueles pauzinhos, laços, curvas, redondos e pontezinhas juntos formassem letras, era bonito! E aquelas letras juntas dessem em silabas, e que as silabas, lado a lado, fossem palavras, ele nem acreditava. E que certas palavras lhe fossem familiares, era mágico!
Mamãe, por exemplo, mamãe, três pontezinhas, um redondo, uma curva, outra vez três pontezinhas, outros redondos e curvas e mais uma nuvem em cima e o resultado: mamãe. Como se recuperar desse deslumbramento?
Vale a pena tentar imaginar a coisa. Ele acordou cedo. Saiu, acompanhado pela mamãe, justamente num chuvisco de outono(...), ele se dirige pela escola embuçado ainda no calor da cama, um ultimo gosto de chocolate na boca, apertando forte essa mão acima da cabeça, caminhando bem depressa, fazendo dois passos quando mamãe faz um só, a mochila sacolejando nas costas, e já é a porta da escola, o beijo rápido, o pátio de cimento e as castanheiras escuras, os primeiros decibéis...mas logo eles se encontram todos sentados, imobilidade e silencio, todos os movimentos do corpo forçados a domesticar somente o movimento da pena neste corredor de teto baixo: a linha! Língua de fora, dedos canhestros e pulso pesado... pontezinhas, pauzinhos, curvas, redondos e pontezinhas... e a cem léguas de distância de mamãe, mergulhado nesse instante, nessa solidão estranha que se chama esforço, cercado de todas essas outras solidões de língua de fora... e eis o encontro das primeiras letras... linhas de “a”... linhas de “m”... linhas de “t”... até o ponto em que, imantadas umas as outras, as letras acabam por se organizar por elas mesmas em silabas... linhas de “ma”... linhas de “pa”...e que as silabas por sua vez...
Resumindo, numa bela manhã, ou numa tarde, as orelhas quentes ainda do tumulto do refeitório, ele assiste à aparição silenciosa da palavra sobre a folha branca, lá na sua frente: mamãe.
Ele já tinha visto, no quadro, é claro, reconhecido diversas vezes, mas lá, debaixo dos olhos, escrita por seus próprios dedos...
Com uma voz meio incerta, no começo, ele balbucia as duas silabas, separadamente: “Ma-mãe”.
E de repente:
- Mamãe!
Esse grito de alegria celebra o resultado da mais gigantesca viagem intelectual que se possa conceber, uma espécie de primeiro passo na lua, a passagem da mais total arbitrariedade gráfica a significação mais carregada de emoção! Pontezinhas, curvas, redondos, nuvem leve... e mamãe! Está escrito lá, diante de seus olhos, mas é dentro dele que a coisa explode! Aquilo não é uma combinação de silabas, não é uma palavra, não é um conceito, não é uma mamãe, é a sua mamãe, a dele, uma transmutação mágica, que fala infinitamente mais do que a mais fiel das fotografias. Nada mais do que uns redondos, umas pontezinhas... mas que de repente – e para sempre – deixaram de ser eles mesmos, de serem nada, para se tornarem essa presença, essa voz, esse perfume, essa mão, esse corpo, essa infinidade de detalhes, esse todo, tão intimamente absoluto e tão absolutamente estranho ao que está traçado ali, sobre os trilhos da página, entre as quatro paredes da sala...
A pedra filosofal.
Nem mais nem menos.
Ele acaba de descobrir a pedra filosofal.




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