Olá!
Compartilho com vocês o texto MAMÃE extraído do livro " Como um romance" de Daniel Pennac Rocco. Considero excelente para refletir com professores alfabetizadores a importância da alfabetização e letramento.
MAMÃE
A
escola veio na hora certa.
E
tomo o futuro pela mão.
Ler,
escrever e contar...
No
começo, ele sentiu um entusiasmo verdadeiro.
Que
todos aqueles pauzinhos, laços, curvas, redondos e pontezinhas juntos formassem
letras, era bonito! E aquelas letras juntas dessem em silabas, e que as
silabas, lado a lado, fossem palavras, ele nem acreditava. E que certas
palavras lhe fossem familiares, era mágico!
Mamãe,
por exemplo, mamãe, três pontezinhas, um redondo, uma curva, outra vez três
pontezinhas, outros redondos e curvas e mais uma nuvem em cima e o resultado: mamãe.
Como se recuperar desse deslumbramento?
Vale
a pena tentar imaginar a coisa. Ele acordou cedo. Saiu, acompanhado pela mamãe,
justamente num chuvisco de outono(...), ele se dirige pela escola embuçado
ainda no calor da cama, um ultimo gosto de chocolate na boca, apertando forte
essa mão acima da cabeça, caminhando bem depressa, fazendo dois passos quando
mamãe faz um só, a mochila sacolejando nas costas, e já é a porta da escola, o
beijo rápido, o pátio de cimento e as castanheiras escuras, os primeiros
decibéis...mas logo eles se encontram todos sentados, imobilidade e silencio,
todos os movimentos do corpo forçados a domesticar somente o movimento da pena
neste corredor de teto baixo: a linha! Língua de fora, dedos canhestros e pulso
pesado... pontezinhas, pauzinhos, curvas, redondos e pontezinhas... e a cem
léguas de distância de mamãe, mergulhado nesse instante, nessa solidão estranha
que se chama esforço, cercado de todas essas outras solidões de língua de
fora... e eis o encontro das primeiras letras... linhas de “a”... linhas de
“m”... linhas de “t”... até o ponto em que, imantadas umas as outras, as letras
acabam por se organizar por elas mesmas em silabas... linhas de “ma”... linhas
de “pa”...e que as silabas por sua vez...
Resumindo,
numa bela manhã, ou numa tarde, as orelhas quentes ainda do tumulto do
refeitório, ele assiste à aparição silenciosa da palavra sobre a folha branca, lá
na sua frente: mamãe.
Ele
já tinha visto, no quadro, é claro, reconhecido diversas vezes, mas lá, debaixo
dos olhos, escrita por seus próprios dedos...
Com
uma voz meio incerta, no começo, ele balbucia as duas silabas, separadamente:
“Ma-mãe”.
E
de repente:
-
Mamãe!
Esse
grito de alegria celebra o resultado da mais gigantesca viagem intelectual que
se possa conceber, uma espécie de primeiro passo na lua, a passagem da mais
total arbitrariedade gráfica a significação mais carregada de emoção! Pontezinhas,
curvas, redondos, nuvem leve... e mamãe! Está escrito lá, diante de seus olhos,
mas é dentro dele que a coisa explode! Aquilo não é uma combinação de silabas,
não é uma palavra, não é um conceito, não é uma mamãe, é a sua mamãe, a dele,
uma transmutação mágica, que fala infinitamente mais do que a mais fiel das
fotografias. Nada mais do que uns redondos, umas pontezinhas... mas que de
repente – e para sempre – deixaram de ser eles mesmos, de serem nada, para se
tornarem essa presença, essa voz, esse perfume, essa mão, esse corpo, essa
infinidade de detalhes, esse todo, tão intimamente absoluto e tão absolutamente
estranho ao que está traçado ali, sobre os trilhos da página, entre as quatro
paredes da sala...
A
pedra filosofal.
Nem
mais nem menos.
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